O tempo do homem
não é tempo natural
motor de mutação em natureza sempre-viva
em flora e abelha
no arroio de mel
depositados nas colméias
quando o sol embarca nas águas da ribeira
um brigue de mel
suscitado do embate da luz
com a água na corredeira
levando a canoa junto ao levante
ou à tarde tardia
ao olvido do lusco-fusco
que vinca a lâmina d'água
com as mãos de aragem sutil
a esculpir um Narciso em decrepitude
infenso ao suicídio passional
O tempo do homem
é algo que está enredado no retrato
nas redes que o retrato capta
num instante de luz e trevas
- luz vincando trevas
por todos os lados
pois tudo é quase treva
negro cavaleiro e penas de anum
madrugada fora
- calada madrugada!
onde não se escuta um filete de voz de galo...
nem o ruído do lápis a riscar o orvalho
( "Risque-risque" é a onomatopéia
na ponta do grafite do lápis riscando
no empuxo da mão imprimindo os contornos
também para nanquim
da China do mandarim )
O tempo do homem é algo que não está no tempo!
mas em algumas invenções do homem
as quais retratam a época
arquitecta uma era na catedral medieval
ou na teologia medieval
tão abstrusa e refinada
eivada de anfibologias
batendo o martelo para as bruxas
a se imiscuir com Íncubos e Súcubos
a fim de dar uma razão plausível
aos processos da inquisição espanhola
a inventar hereges
e perpetrar torturas heréticas e abomináveis...
- e toda a adjetivação para o anelo do homem
de destruir outros seres humanos
e aplacar sua demência atávica
sua megalomania renitente
que a cada tempo assoma
com uma renovada face maquiavélica
( Esse o único diabo de fato
que se imiscui nas leis
depois de engendrar no homem e na mulher
um descendente Íncubo e outro Súcubo
com o desiderato de procriar uma dinastia
longânime no tempo fotografado
onde a fotografia afia o olho do demônio zombeteiro
a olhar do fundo do sarcasmo
para o legado da miséria
que é o ser humano
enredada na luz para fenecer
drasticamente enfronhar-se na trama social-cultural
deixar-se levar pela ilusão edulcorante
que essa comédia põe em afresco de Giotto, Fra Angelico...
e por fim ser objecto de tragédia grega
com a morte o fantasma e a caveira em Hamlet
obra da esquizofrenia funda de Shakespeare
bardo de triste sina
como todos nós nos responsos do sino
a repicar para anunciar a presença do anjo da morte
- cuja presença é incontinenti
porquanto está no substrato da matéria e da energia
no corpo em mutação
e na alma sem salvação escatológica
Não há salvação na escatologia )
O homem é de um tempo....
que extrapola o tempo
em todas as Eras geológicas
Vive revestido pela túnica de um tempo
em que o retrato desenhou a luz
sobre as trevas com fuzis "incoerentes"
na grande noite no espaço sem luz
ou sem luciferação de pirilampo
de vagalume errabundo
em noite de trevas para lobos e gotas de chuva
a dedilhar o piano do rocio
que cai madrugada a fio
alimentada no pavio
da vela que molha o quarto de luz
aonde vão as mariposas
depois do vôo de piloto
sobre o deserto noturno
com dunas em azeviche pintadas
ou no piche da madrugada
que sobeja na voz do galo
cândido cantor de Voltaire
O tempo do homem está no retrato
que mostra as teias do tempo
nas invenções de época
na mobília ou no vestuário
no pensamento ou no modo de agir e amar
nos filmes e nos cantos...
nos amores que erraram
por vinhedos a vagar no lagar
O tempo do ser humano
prescreve todos os retratos
que estão dentro do retrato
e contam com luz e trevas
a história do homem
sob o mastro e a mesena
nas caravelas e no dilúvio
na catedral gótica
na fotografia do automóvel antigo
envolto no amplexo de enamorados
de outras décadas
escritas pela cor no retrato
e no papel que captou o instantâneo do amor
incomensurável nas vestes de época
no penteado dela
nos brincos e outras jóias
na pose da enamorada da vida
e no sorriso de então
que era outro sorriso
a fundar outro tempo
e outra paixão no tempo
que nunca se esvai ou exaure
nos adereços da mulher
ou da criança que veio ao lume
e tomou todo o espaço temporal
ajuntando o pó do tempo
na teia de aranha do seu corpo franzino
perenemente amado
mesmo quando os olhos
mexem a miscelânea de outro tempo
no aglomerado estelar das Plêiades
- As Plêiades : Objeto Messier 45
O retrato pálido, lívido, "levedado"
mascarado de tempo
estagnado na poça de luz e da matéria escura que o segura
baila no "carnaval do arlequim" de priscas eras
moldando no pó de suas histórias submersas sob camadas de várias histórias
verdadeiras arqueologias do conhecimento e do saber
que Michel Foucault tanto queria desvelar...
mas enlouqueceu antes do dilúculo!...
e ficou no retrato do homem
na imobilidade pétrea
do último tempo à luz
- no derradeiro debuxo de luz
torrente de mel para geometria de alma
sempre penada em noite de anum
com suas penas pesadas de trevas
segundo o Livro dos Mortos egípcios
de onde nos olha uma felicidade lúdica
no olho da criança querida
e nos envolvem o cálido amplexo da mulher amada
no tempo do amor
que a fotografia registrou
e jamais pode olvidar
à luz solar
num solar com solo para andorinhas pardas
caindo na tarde
com abóbada escarlate a refulgir gloriosa
demonstrando que a vida fica
ainda que seja num retrato
encalhado nas águas correntes ou lacustres do tempo
- do tempo no retrato!
que é toda a eternidade dada ao homem
ainda que em tatibitate...
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