Alice era um lavadeira que não lavava no rio /
São Francisco descalço nos seixos da cachoeira em cantilena monótona /
- um rio cantante na terra /
à flor da terra /
ou sobre a pedra acinzentada /
vergastada pela água translúcida /
com as madeixas encaracoladas /
escacheantes /
como cabelos de deusa grega
ninfa ou nereida /
Não batia roupa na pedra rígida /
consoante sói às lavadeiras /
no ancho rio onde o peixe pulula..: /
no principio Deus criou o peixe /
empós por o espírito a cismar sobre as águas /
- a pensar no pensamento do momento /
monumento ao homem do vulgo /
que é a metafísica de Aristóteles /
a fisiognomonia do filósofo... /
Alice era triste e só /
monja sem eremitério ou ermida /
nem nada teologal /
escassa instrução /
nenhum vislumbre intelectual /
humílima sabedoria /
ao gosto dos frades menores sob a ternura de Francesco /
Soturna, macambúzio semblante , indolente ou esquecida de si
nem cantava ou harpa tocava /
tocava o olho na harpia /
que voejava na abóbada celeste /
que é um violinista celeste, azul /
ou cimo de inflorescência anil /
Nenhuma cantilena vinha de sua voz /
mesmo se fosse de improviso /
numa inspiração repentina /
a mirar e ouvir a água cantante batendo na pedra /
descendo na cachoeira de cabelos escachoantes /
aos cachos de deusa grega com espuma /
- com as "espumas flutuantes " escritas por Castro Alves /
excelso poeta destas terras e águas /
com palmeiras e verdejar /
e marimbondo a versejar /
(a poesia lírica do marimbondo /
épica em Camões e canhões nos ferrões /
que picam e ficam na ferida onde houve a picadura /
com dor para envergadura de condor nas alturas dos Andes /
aonde voou a poesia de Castro Alves /
elevada e andina e condoeira /
da envergadura do condor a planar sobre a Cordilheira dos Andes /
A cascata do rio São Francisco canta a noite inteira /
depois que o tempo diminui o ritmo /
no pingar do orvalho em madrigal na madrugada /
que em si é um madrigal /
musical com trovadores românticos /
em eufêmias de amor /
na cantiga de amor /
na cantiga de amigo /
Contudo Alice não cantava /
nem uma amarela canção de beco /
um pintainho amarelinho que Dorival Caimy punha fora /
na canção que compunha e gorjeava /
o poeta popular da Bahia de todos os santos /
travestidos nos orixás da África /
Apenas lavava lá em casa /
a trouxa de roupa /
sobre a cisterna /
que tinha um bizarro mecanismo /
para trazer a água do lençol freático /
que imagino havia lá no subsolo profundo... /
onde o menino olhava maravilhado /
- para o menino o mundo e a maravilha! /
tudo é tão novo /
quanto o menino e seus sentidos /
a captar o mundo /
em tanta vastidão de coisas a ver /
cheirar, degustar, sentir, enfim... /
- o menino é um reino à parte /
do reino animal do homens... /
Ela lavava lá em casa /
sem lá lá lá... : lá em casa! /
sobre a cisterna aberta e funda /
Torcia e batia a roupa /
ante meus olhos de menino engolindo o mundo /
gulosos olhos curiosos /
pretos olhos grandes de anum assustadiço /
a voar pelos esgalhos que o dia punha nos arbustos /
floridos ou desfolhados galhos na decaída do outono /
decídua temporada de folhas amarelentas /
a girar lentas no ar /
até cair no chão folhado /
ou folheado a amarelo carmelo /
com algumas flores pulando de pára-quedas das árvores /
e outras vindo pousar de helicóptero /
de uma árvores com flores brancas /
- flores helicoidais /
que giravam no ar qual helicóptero Apache /
brancas como noivas de vestido branco /
mais alva que a flor de laranjeira na barra da alva /
( flor de alba /
Alice era uma flor de alba /
da grande barra da alva /
que lava o areal da orla do rio São Francisco /
Era algo alva ou de alba /
filha da manhã antes da luz dilucular /
na madrugada gelada /
conquanto sua pele fosse do amarelo /
tinta na cor amarela da janela /
da gelosia ou da parede interna da casa /
- da casa interior amarela /
que fica na aldeia da imaginação do pintor Marc Chagall /
- na vila do poeta onde chegou o circo-de-cavalinhos!...
para sempre menino!...
- até a tragédia escatológica /
a tragédia da morte fria e escura /
com máscara sem orifício para os olhos! ) /
Era velha e morava numa casa de doida /
- casa onde a noite habitava em todas as trevas /
com todas as partes mais negras revestidas de trevas /
- casinhola a tecer trevas num novelo /
uma tela para cobrir a saudade da Penélope de Odisseu... /
que a vida é esta espera /
de alguém ou algo que jamais chega ao destino /
mesmo no batel ou no planador no bergantin... /
- o destino é sem fim /
e o itinerário traçado pela bússola do imaginário /
é somente caminho de água ou terra ou céu sem fim de azul ou cinza... /
para penitente com cinzas sobre a cabeça e silício /
e vestido com sacos para o desfile do mendigo /
- que é o homem ( nós, cavalheiros à beira-mar!
aguardando o batel... ) /
Numa casa de louca /
desaparecida no amarelo /
olvidada pelo amarelo /
que esquecera a cor das paredes internas e externas /
amarelo flácido /
se há flacidez visível no amarelo /
revestido de uma tonalidade cromática que amarelecia o olho /
numa febre amarela de olhar /
Alice habitava uma casa mancando e quase caindo /
( casa-fantasma que dava medo à lua! ) /
cujas paredes e teto estavam a pique /
sobre a cabeça da pobre velha /
exposta às intempéries /
As paredes escoradas com madeira podre por colunas /
e em companhia solitária dos cães /
que velavam as velas a soprar a vasta vela noite /
até atingir o ápice do branco na vela da barra da alva /
- branca vela de veleiro nos olhos em paz de pombas /
depois de arregalados e revirados /
até o vidrado final /
no bizarro orgasmo da morte /
última parceira sexual amorosa /
Ali naquela casa a pique /
casa à deriva /
Alice alimentava o fogo na vela /
ou no candeeiro antigo e amassado /
( a vida de Alice estava amassada na massa /
que a gravidade amassa na massa /
na massa do átomo e da molécula /
na massa de um planeta ou de uma grande estrela ou galáxia /
na massa falida /
e na massa popular /
massa de manobras do demagogo ) /
Alice não tinha pais nem país algum /
( nenhum Brasil queimava sua brasa no pau ali /
- passava bem sem pau-brasil ) /
nem tampouco homem ou filha /
não tinha história nem tampouco estória /
mas uma ou outra lenda negra /
rondava sua vida /
- macabra lenda de mulher solitária e em perpétua solitude /
que era uma eremita sem o ser /
sem querer ou saber de ermitoa /
sem cacoete para sóror /
- era ermitoa ao modo próprio /
também pelas circunstâncias da vida /
e continuou sendo foi eremita sobre a terra /
uma erva só na terra longa em léguas e alqueires /
até perder os olhos de vista /
para a morte negra /
na morte escura /
que mascara a treva /
mascara os olhos /
tapa a luz dos olhos /
desfaz a luz num borrão /
ignora Lúcifer /
faz cair e jazer em terra /
- nos subterrâneos de Hades /
até que a alma ascenda ao descendente /
que aspira seu corpo em podridão no chão /
e respire aspirando-a para cima /
na primeira inspiração /
soada antes na sopro de Deus na trombeta /
e inflando assim os pulmões de Alice /
em nova parte feita de seu corpo /
com outros corpos /
que pisaram sobre ervas daninhas /
no solo argiloso e nada ardiloso /
raiz para pés /
Alice sempre esteve alienada /
- exilada do país das maravilhas /
aonde não palmilhara peregrina /
andarilha andorinha /
- não conhecera lebre ou chapeleiro maluco /
nem tampouco a rainha branca ou escarlate /
Talvez quem sabe /
na consonância da lenda lúgubre /
que se tecia ante ela /
na sua vida despojada ao extremo /
tivesse uma filha /
que ficara sob a vegetação do tempo /
nos esgalhos retorcidos da primavera pondo flores /
nas formas arbóreas que estendem galhos em esgares /
como se fossem mãos ou carantonhas de bruxas biltres /
Uma filha!...: era o balbucio, o sussurro das vozes do tempo /
na faringe ou laringe de mães ou minha avó... /
- um filha! que poderia ser encontrada /
no País das Maravilhas /
que dista um sonho daqui e dali /
- Dali ou de lá ou acolá /
conforme a audácia ou temeridade encontradiça na obra de um salvador /
dali ou de cá ou quiçá de acolá /
- de um Salvador Dali! /
um salvador de Alice /
que por certo não seria Jesus!...) /
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