O homem é dono do tempo
principalmente do tempo no retrato
onde amealha seus inventos
desde a câmara de fotografar
até os artefatos que vemos ou lemos retratados
escrevinhados em luz
na geometria de Euclides
pondo o espaço num plano
e, destarte, dando uma mostra do tempo
tal qual se pode ver ainda
antes da baixa Idade Média
no quadro pintado sobre carvalho
do artista da escola flamenga
- o pintor Jan Van Eyck
pintando um casal
numa cena que evoca o tempo
- o tempo a aprestar talvez um casamento privativo
ou um exorcismo imaginário ;
enfim, um rito para deleite do pintor
e do senhor do tempo
nas bodas com a senhora do tempo
sendo o artista um seu servo
Este tempo pode ser lido no retrato
( todo tempo está codificado em fotografia
ou escritura em luz solar
e trevas depressoras do sistema neuro-vegetativo )
- decodificado nas coisas que o homem fabricou
e foram fotografadas ou escritas em luz e sombra
à moda de Caravaggio
que retrata o tempo no conteúdo captado pelo retrato
- o tempo ao lápis da luz
( ou em lápis-lazúli
quando faltar grafite ?! )
de um Brueguel imaginário
com mão na máquina fotográfica
a gravar e grafar a luz do dia congelado
ou fossilizado em espectro solar /
Todavia, o tempo não é de qualquer homem
- tem proprietário ou senhorio perpétuo
é um outro latifúndio sem terra
ou uma empresa, igreja ou estado
instituições cujos donos são temporais ou espirituais
Outrossim o tempo tem proprietário
ou proprietários que não admitem evicção
desdenham erosão ou cataclismos
no traslado da escritura pública à luz da lua luciferina
Os donos do tempo são os príncipes e reis de época
aqueles cujo escabelo dos pés é o povo submisso e subserviente
um povo glabro
gentio imberbe
Os senhores menores
são visíveis na tez dos governadores ou deputados
presidentes ou senadores
ministros ou desembargadores
- outros sátrapas na tirania pelos séculos fora
( Porém o mundo não é dos vetustos caudilhos
e sim de reis e príncipes à sombra do enigma da esfinge )
Mais que o espaço
o qual é, no mundo cultural,
construído por laboriosa engenharia dos servos e escravos exímios
em sua arte de alvenaria ou literatura
de onde emana a filosofia e as ciências normativas
cuja matéria é o tempo em voga
moldado em formas temporais no conteúdo da matéria
extensa pelo espaço ao alcance dos olhos e mãos
e pelo labor do intelecto
aplicado em ensaios e tratados metafísicos sobre a essência das coisas
- o tempo é do homem
e reflete a face humana
no Narciso amorfo morto
que se afogou no poder
à lâmina d'água
que move moinhos de vida e vento
até o olhar desvairado de Dom Quixote de La Mancha
cavaleiro de triste figura geométrica
num mundo em desatino
descair sobre as pás desses moinhos de vento
e ter a miragem que vem açodar todo homem
cujas penas pesam mais
e tem viço mais negros no fundo da noite
que as penas do anum
- o anum que empluma a noite sem luar
a sitiar a alma
( um homem açodado
exime-se de observar o senso do ridículo
perde o olho no pássaro negro
a adejar na asa do escuro )
Quando sói ao retrato despencar da parede
o tempo cai junto
a se esboroar
qual cântaro ou bilha
em pó dentro da fotografia
que um dia ou noite mirou o tempo
grafado em luz e carvão de treva nanica
- noite mínima em azeviche
dia apenas esboçado
no rascunho ou sumário de inventos
que o retrato ostenta
com a matéria inerte no tempo
- matéria desprovida de alma
mas alma no sentido-latim pagão
( Um violino Stradivarius fabricado
é o tempo manufaturado
- uma idéia originária
nunca dantes presente no universo
isento de natureza divina ou física )
Contudo o retrato se reconstitui
e se ergue do pó
retomando o caminho para o tempo
que continua íntegro
no substrato físico e químico
que colheu e grafou a luz na sombra
e subsiste dentro do retrato
com uma imobilidade de gema
- num relicário de tempo
sábado, 18 de junho de 2011
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