Abro os olhos e o que vejo me espanta /
é a visão do filósofo grego /
ao perceber a precariedade da realidade /
- o mistério em profusão na existência /
que o ser não pode resolver /
porquanto não é mero problema de álgebra /
porém quesito mais difuso e confuso /
envolto por enigma indecifrável /
à sombra de enigmática esfinge /
sem estela para ler /
nem pedra de Roseta /
decodificada pela sapiência e o conhecimento linguístico de Champollion /
- nem estela de Roseta para Champollion decodificar ! /
Oh! quão obscuros os caracteres da estela! /
Solitário e em solitude no deserto /
com a sombra ao sol no zênite /
sem pedra para jogar fora /
excepto o seixo que é o próprio ego /
que um dia será atirado fora ou para fora do corpo /
porquanto esse seixo é a alma /
que é vida a se movimentar na água /
fui um fauno na antiguidade clássica /
um rotundo peixe cristão /
ou algo assim que diz de piscina em latim ou grego /
que písceo é o peixe /
( alma é peixe de cristão /
no símbolo e no fato /
que é o ato de desenhar o peixe geométrico /
já no plano de Euclides /
No entanto, para pagão /
a alma em latim tem outro teor /
é símbolo de ave passariforme /
denominada alma-de-gato /
que em inglês tem um cuco nomeado ) /
Vejo a madrugada lá fora /
leda madrugada no soneto do excelso poeta Camões /
porém não enxergo a madrugada fria /
o que olho é tão-somente o que põe a luz ou a treva no espaço /
mascando tempo no chiclete de hortelã ou tutti-frutti /
a goma de mascar /
Entretanto sinto na tez /
a madrugada gélida /
a afrontar o calor do corpo /
teso ao arrepio do sopro gelado do ar /
Álgida brisa /
A madrugada é um gelo só /
um gélido silêncio /
quebrado por vozes de galo /
pelo candor do galo cantor /
Escuto a madrugada nos galos /
lívidos ao luar /
se há luar que reflita especularmente a face pálida /
ou a crista escarlate do cantor da madrugada /
o amante do orvalho manso e pacífico como um Jesus amado /
- o galo é um Jesus com muitas penas! /
ou um homem na hora do adeus /
- na hora apavorante do adeus a Deus! /
ao deus no panteísmo da filosofia natural /
a divindade que recebe o corpo em escatologia /
porquanto na Terra tudo é escatológico /
na forma da doutrina de Aristóteles /
vetusto filósofo e sábio /
que sempre perseguia um fim /
na sua noética /
que ele amava chamar ética /
Ouço a madrugada calada nos cães a latir /
vejo-a no Cão Maior e menor encolhido de frio no céu noturno /
em noturno de Chopin ao piano em pianíssimo /
ouço-a nos ruído e no rumorejar das água em arroio /
no silêncio cantante do rocio /
a molhar sutilmente /
no solo com ervas num xadrez cruzado de verde com negro de treva /
( xadrez de erva verde e negro de treva noturna ) /
A fragrância que a madruga traz à janela /
é um aroma de dama-da-noite /
em amplexo com jasmim ou bogari alvo /
ambos errabundos /
sob a luz mortiça das estrelas /
e o amarelar da lua /
quando é plenilúnio /
ou o branco fantasma do novilúnio /
que sempre me lembra Joan Miró /
a pintar mulher e lua e noite /
símbolos da tragédia /
nestes personagens da noite /
em tragédia para o fantasma do pai de Hamlet /
que agora é o avantesma de Shakespeare /
a descansar para sempre sobre a caveira e os ossos /
enfim, sobre o esqueleto /
se ainda há resquício de osso no mausoléu do bardo /
Sinto e apalpo a madrugada no frio que me corre pelo corpo /
absorvido pela aragem suave /
que voa com o morcego e o mocho /
O sabor da madrugada me vem à boca /
quando esta se abre /
e por ela entra a noite como alimento /
que vem em moléculas no ar /
o qual apanha tudo /
tudo colhe /
Com os sentidos na madrugada /
fico a cismar solitário e em solitude /
com esse sentir ou perceber a madrugada pelos sentidos corporais /
o qual tem sua resposta na gravação genética /
que impregna todo o meu corpo humano /
- corpo que já pertenceu a outros seres humanos da família /
que o preparam antes de mim /
- para mim e para os que me seguirão /
empós os clangores da alvorada /
parto alvo da madrugada negra /
mãe negra de filha branca /
em melanina e sol /
Fico em meio a esses sentidos /
em meio aos espaços que o tempo cria /
para me por dentro da vida /
que é o que me mantém em pé /
ante o espaço que passa abraçado ao tempo /
e que me deixam aqui perplexo /
a observar a passagem /
e o que ela provoca em meus cabelos /
em meus olhos /
e em meu corpo e alma /
bem como no meu espírito ou pensamento /
enfim, no meu ser /
ou no ser que projeto /
lança para frente como objeto /
e para for a como sujeito /
que chamam subjetivo /
que é um tempo /
em que vou viver no meio dos espaços curvos /
a única migalha de tempo /
em que eu serei um indivíduo /
com a alma aos pedaços /
ao chegar o fim dos escuros /
quando o tempo e o espaço para mim /
voltarão a ser pedra parada /
na metade de qualquer caminho /
tal qual está o poeta Dante e Carlos Drummond de Andrade /
que viram a pedra no caminho /
pensaram sobre sua essência e existência /
mas que hoje são a própria pedra pensada /
no tempo em que estavam em meio ao espaço /
separados pela mão do tempo /
que os fazia distinguir o espaço interior e exterior /
quando eram rocha metálica e flexível em corpo com alma /
- alma cristã ou pagã /
consoante soa o latim /
que se pensa e escuta no vento /
de boca cheia /
trazendo campos nos pés velozes /
( o vento é um atleta olímpico grego /
cuja maior vitória se deu em Maratona /
quando o tempo tinha outro desenho /
e outros homens como personagens da vida /
ou da alma grega /
cujo espanto era a filosofia /
- uma filosofia trágica em Nietzsche /
ou quem sabe em Heráclito de Éfeso... ) /
Um dia ou noite ou madrugada ou aurora /
sairei do meio do espaço /
deitarei ou cairei abaixo da linha do espaço euclidiano /
ou das serras azuladas no horizonte /
ficarei então quedo e mudo /
ave ou animal sem guincho /
já sem as penas negras do anum /
repousando na caveira e nos ossos /
destino trágico de todos os seres humanos /
( trágica é a vida /
não a alma fugidia /
apagado o sol /
imobilizada a bailarina da luz /
que dançava a dança do ventre /
com sete véus ) /
Todavia o espaço lato continuará colocando outros e outras /
exatamente em seu centro de atenções espaciais /
até que se deitem também /
sob a linha do equador /
sem alma e jogado no escuro /
do lado anverso ao sol /
A vida foi escrita por um poeta trágico grego /
ou por um jurista eminentemente técnico /
sem laivo de humanidade /
Um dia noite madrugada ou no dilúculo /
à luz dilucular ou quiçá no lusco fusco /
ou ainda na barra da alva /
a lavar toda treva chorada pelo orvalho /
- desceremos à sombra do Hades /
abaixo das raízes herbáceas arbóreas ou arbustivas /
e abaixo da vida vegetal /
juntaremos pele com o mineral em pó /
volveremos à casa do mineral /
de onde viemos alçados ao lume do sol /
e da lua macilenta e lenta /
e não haverá Ascenção /
excetuados dos gases e da água /
que viaja à gás /
( Há alguma coisa ou ato de bizarro na sensibilidade /
que não aparece senão por dentro do corpo /
senso esse que sabe profeticamente da morte do corpo /
desde tenra idade /
profética já no adolescente /
muito antes de vir as cãs /
ou a calvície masculina /
a prover uma testosterona em teoria esdrúxula /
móvel de elucubração febricitante /
A minha profecia me assevera /
desde tempos remotos /
que morrerei depois de completar 96 anos /
sem decrepitude alguma /
livre de todos os achaques do tempo /
Entrarei no silêncio da noite eterna /
sem o grito angustiante do bebê /
que veio a lume a clamar vigorosamente /
no trauma natural de entrada em atmosfera /
onde adejam mariposas lépidas noctâmbulas /
noctívagos entes com de asas translúcidas e frágeis /
a remar seu espaço no mundo /
constituindo tempo motor /
no ato do remador /
e náufragos a nadar freneticamente /
os membros como rêmiges ou remos da nau corporal /
para onde a luz rutilar /
assinalando uma tênue e insular ou peninsular terra /
na manhã pipilar em pássarros canoros ) /
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