segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
O OPÚSCULO DO ORGANISTA IMAGINÁRIO DA CAPELA GÓTICA DE SAINTE-CHAPELLE - wikcionario
Em menino, as moças,
mormente minha prima distante,
Maria Helena,
era uma anã marrom da classe y,
conquanto não fosse ela de baixa estatura
e crescesse em vanidade.
Não obstante, desprezava-a eu
por me parecer volúvel
e apaixonar-se frequentemente
por rapazes feios e imbecis.
( Como se o mundo contivesse
um contingente melhor de gente!
o mundo no zoológico social
é mais ou menos assim
(uma comédia dantesca,
se não a "Commedia dell'Arte" ) :
Adultos boçais, burlescos,
velhos caindo de ridículos
e tantas populações de idiotas
- horripilantes anti-deuses gregos,
anti-heróis da tragédia,
- do poema trágico
que é o canto da vida
em pura poesia
de sublime esteta,
do poeta trágico
dissecando a anatomia da morte
no ser humano vivo
- o herói, o deus apaixonado!
Que este é o homem,
"Ecce Homo"!
e não o cômico pateta,
"patético", histriônico,
fantasiada com capa e máscara
a velar sua mendacidade,
sua miséria de corpo presente
e espírito ausente.
( Vê-se que comecei a observar os papalvos
ainda em tenra idade).
Aquela Helena desvalida, inane,
que não era de Tróia,
nem valia (avalia!...)
uma guerra de Tróia,
( dos meus ciúmes infantis?!)
fez-me ver as mulheres
com maus-olhos
ou com tapa-olho para pirata
no curso de um lapso de tempo tampão.
Olhar temporão, extemporâneo...
Depois conheci algumas mulheres
nebulosas e frias, álgidas
como ( não como!) a Nebulosa do Bumerangue
que não chega a rasgar as trevas
do céu em noturno de Chopin ao piano.
Arquitetei algumas mulheres
dentro de minha aldeia mental,
a aldeia congelada em minha imaginação,
para onde podia fugir,
um escapismo do mundo cão :
- Canis Major e Canis Minor
no céu que é um bando de anum
e noite de morcego cego,
coruja no coruchéu
e mocho no campanário
da igreja de Santa Maria Novella,
onde imaginei um organista virtuose
que escrevera um opúsculo obscuro,
"quase"-apócrifo, "meio"-canônico,
tudo em ficção de interlúdio.
Das mulheres arquitetadas por mim,
talhadas por Fídias e Pigmalião,
pintadas por Modigliani e Picasso,
que adoravam pintar
e amar mulheres azuis-Picasso
e de um furta-cor-Modigliani,
- dessas belas senhoras
uma empreendeu uma fuga da minha aldeia,
atravessou o fosso que a separava do mundo
e veio parar na Medusa de Bernini,
mas logo que me viu
ganhou vida,
saiu, fugiu da prisão do mármore,
que prendia-a à estátua,
e de mulher de pedra,
qual é a maioria,
maioris ou não maoris,
os maiorais nativos da Nova Zelândia.
Depois da fuga
ela pôs víboras
em suas madeixas negras,
a fim de se defender
da maioria em assembléia,
a maioria não-maori,
- e tomou conta de minha alma,
graças à sua virtude,
graças, Medusa bela,
à sua fortaleza de caráter!
( Eu que não sou nenhum pastor,
mas o pastor apaixonado sou!...).
Ela nasceu dentro de mim,
na aldeia abandonada à imaginação do arquiteto
e engenheiro de estruturas poéticas,
- nutriu-se do líquido amniótico
do meu sonho,
que gestou uma mulher,
depois fugiu num veleiro brigue,
com vento à bolina,
cresceu e multiplicou-se
em duas filhas
e agora que a encontrei
quero por-me dentro dela
- num filho,
que serei eu, dentro dela,
em parte e pacto de sangue com ela.
Eterna aliança.
( Excerto do livro "O Opúsculo do Organista Imaginário da Capela Gótica de Sainte-Chapelle")
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