sexta-feira, 1 de abril de 2011

CARDOS NÃO SÃO FLORES CARDÍACAS

Ficheiro:Cynara cardunculus 3.jpg
Ali havia uns cardos /
- haviam uns cardos a caminho /
de lugar algum para lugar nenhum /
a cavaleiro azul vestido /
metido na armadura medieval /
não indo nem para longe ou perto /
não saindo do lugar em raiz ou caule /
apenas podo as penas das folhas ao vento /
soprando moinhos de vento /
na terra de van Gogh /
nos Países Baixos /
- uns cardos que embelezavam os olhos /
e os faziam cintilar mais que estrelas /
no céu em pleno breu das trevas /
( as trevas são noctâmbulas nos trevos /
os quais parecem imóveis no caminho /
mas estão a caminho dos cardos /
e a cavaleiro da lua /
no corcel amarelo-velo-de-ouro /
do cavaleiro amarelo /
ou da amazona que ponho no apocalipse /
depois de milênios da Revelação de João /
que nem joão-ninguém era na Era /
na hora da fera do apocalipse /
com seus sete chifres profetizados ) /
Uns cardos quedos e mudos /
abraçados com algumas ervas daninhas /
ao rás do chão /
punham umas flores azuis /
de um anil de anileira /
melhor que o céu /
pois não havia mister de levantar os olhos /
e sim apenas abaixá-los timidamente /
candidamente como a menina /
- a cândida menina que um dia será noiva branca /
na candidez da cor do coração dela /

Os estúpidos deixaram as ervas /
( ainda bem bem-ti-vi! ) /
porém destruíram os cardos /
desmancharam o azul do caminho /
- um desmanche do manche /

Isto ocorreu quando passei ontem /
hoje segui o mesmo itinerário /
e lá estavam espetando o céu por baixo /
os tais cardos de ontem /
- mais altos e viçosos /
( para onde olhei ontem /
que não os vi ?! /
- embora os tenha procurado insistentemente /
com olhos atentos /
( eu só tinha olhos para cardos! /
ou para buscar cardos com a luz dos olhos ) /
no anil do cardo em flor /
e nada vi senão o plúmbeo /
nas nuvens de um céu de pomba em solitude cinza ) /

Em outro dia de hoje /
( o hoje hoje mesmo /
que logo não será mais hoje no logos grego /
que é a nossa serra do espinhaço idiomático /
será amanhã e foi há pouco ) /
Logo, hoje de novo /
vi os cardos em capítulo azul /
quando vinha pela vinha sem uva do rocio /
manhã ainda molhado como o pintainho recém-saído do ovo /
e os cardos estavam lá /
cabeças levantadas para o céu /
mirando a cor e refletindo-a /
no espelho de suas flores /
( toda flor tem um Narciso interior ) /
e quando retornei após o zênite /
os cardos estavam sem flores /
que devem ter partido para o céu da arara azul /
ou do violinista azul de Chagall /

Não me lembra os cardos /
ao passar por eles ao arrebol /
na queda da tarde /
esvoaçando nas andorinhas extintas /
mas parece que eles não amam o sol no zênite /
nem tampouco ao nadir /
- sei que não subiram pela escada de Jacó /
trançada com cordas pela madrugada /
feita tipo ponte pênsil ou "tereza" /
para fuga de Bach e seus comparsas /

Sei outrossim ( para por um fim em mim aqui! /
num suicídio de letras ) /
que cardos são filhos da madrugada líquida no aljôfar /
- que cardos são ungidos no orvalho da madrugada /
no arroio em aboio silente na madrugada /
riacho fluvial /
ribeira vertical /
nascida no céu dos arcanjos /
olvidados no anil /
até que caiam em matéria de rocio /
com a face de Narciso ao rés-do-chão /
no rio de pó /
hidratado pelas lágrimas /
dos anjos em queda livre /
- serafins sem pára-quedas /
para mitigar a trágica queda /
( a queda do homem na morte /
lida e escrita no intrincado das alegorias /
que diz por símbolos /
o que não quer se ouvir ou ler /
ou o que fica assim analfabeto /
ainda em língua não alfabética /
- nos idiomas em glifos /
( hieróglifos ou geoglifos ) /
ou no "logos" grego ) /

O cardo que vejo /
não é o cardo dos botânicos /
( "Cynara cardunculus" ) /
nem dos poetas românticos /
- é um cardo plantado na terra do meu olho /
- só e para o meu olhar /
a perscrutar luar /
que amarela a terra roçada /

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