O Brasil é um estado doméstico ; não é, ainda, nem de longe, um estado de Direito ou estado laico, porquanto o estado laico e o estado de Direito se confundam, sendo, "quase ", tecnicamente, a expressão "estado de direito", uma referência óbvia ao estado laico, pois o estado de direito é uma redundância jurídica e léxica de estado laico e, grosso modo, de estado, vez que estado e direito são partes de um conglomerado unificado num amplexo "amoroso".
O Brasil é um país cujo estado é doméstico e o direito preguiçoso ; aqui não há estado laico, mas doméstico, desde os tempos de antanho, amplamente descritos no livro de Gilberto Freire, " Casa Grande e Senzala", obra-prima do ilustre sociólogo indígena, o qual descreve anatomicamente a sociedade e cultura brasileiras, na alma. A alma em xadrez do povo brasileiro : alma negra e alma branca. Alma-de-gato de algumas sete vidas lendárias com jeitinho de pulo do gato.O estado
laico cuida do homem ao proclamar o humanismo, ao contrário do que ocorre no estado teocrático, ou religioso, o qual é um estado que descuida do homem e cuida de Deus, ou do que "pensam" através do viés da palavra de Deus escrita, sagrada e interpretada por hermêutas e
exegetas contextualizados e conectados com a política do momento e interesse da leitura. Trata-se de um estado ( o estado laico) que elege um ser inexistente, um ser que somente o homem põe (tese) no mundo enquanto ser do homem ( hermeneuta, exegeta, que interpreta os
desejos e interesses do político no poder temporal e espiritual, do senhor do território e fêmeas) e não ser-em-si, que Deus não é ser-em-si, mas ser-em-tese, ou ser posto pelo pensamento do homem, conquanto não se possa dizer, filosoficamente, que Deus seja meramente
um não-ser.
Basta observar como se comporta cada instituição, no Brasil, mormente a instituição governamental da qual cada um faça parte, para se constatar o fato óbvio, notório, de que o Brasil é um estado doméstico. Na escola a diretora manda como se fosse ou estivesse em
sua casa ; no governo os presidentes, governadores, senadores, deputados, estão em casa ( na casa grande ou Palácio do Planalto,da Justiça, Palácio da Liberdade, Palácio da Alvorada sempre nomes pomposos, jactantes, retumbantes até); nas secretarias de governo, não só os secretários, mas todos os demais detentores do poder de escalão em escalão, do primeiro ao último escalão, comportam-se como se estivessem em casa, senhores e senhoras da casa, como se as respectivas instituições fossem propriedades particular deles, dos eleitos, assim como os servidores detentores de cargos comissionados, que, outrossim, como de praxe, sentem-se donos das pessoas e servidores que com eles trabalham.
Aliás, esses humildes chefes acreditam piamente que os servidores públicos e outros sob sua autoridade limitada em lei ( que no Brasil a lei é sempre ficta ou interpretação livre dos juízes, delegados, policiais e outros menos abalizados) são seus empregados domésticos ou, quiçá, escravos, tão arraigada ficou a escravidão neste país dos eternos senhores e eternos escravos, agora escravos das leis que se fazem como se faz as correntes e os grilhões e as máscaras de ferro
para por a hipocrisia na cara do empregado doméstico.
Brasil, o estado doméstico dos trezentos poderes ( ou seriam trezentos mil?) e milhões de indivíduos usurpados do poder enquanto povo, ou seja, cidadãos não eleitos, sub-cidadãos, subservientes seres sem poderes, mas cumulados de deveres pesados, inclusive o de suportar nos ombros a cruz da lei que os crucificará no final da vida com uma aposentadoria na quase indigência, se não na completa indigência.
As prefeituras são sinecuras para os filhos e amigos do prefeito, esposas, amantes, pois são, de fato, empresas dos prefeitos. Os secretários de governo e vereadores, meros propostos, diretores da empresa , subordinados ao poder executivo ( o estado, no Brasil, é uma empresa temporária dos eleitos no poder político e, concomitantemente, econômico). Aliás, o Estado e a União, no Brasil, assim como os municípios, enfim, as instituições, autarquias, fundações e todos os
órgãos ou entidades vinculadas à governabilidade, também têm esse sabor doméstico, sendo o Brasil a grande Casa Grande e Senzala, o drama com cunho sociológico de Gilberto Freire, sábio tupiniquim, universal.
O Brasil não é um feudo, conquanto aja como feudo em alguns casos, como nas empresas, mas, na realidade, uma grande Casa Grande e uma Enorme Senzala, exposta nas favelas, que são a expressão da miséria explícita e estúpida e da pomposidade ostensiva e ridícula, cômica e
grotesca, não obstante apresente laivos e veleidades de feudalismo extemporâneo.
O Direito, neste país de algumas maravilhas cômicas e outras trágicas, funciona, outrossim, como um direito doméstico, porquanto é um Direito com leis e decretos para atender aos interesses imediatos do dono da casa, ou seja, os senhores eleitos pelo povo para governar em
prol dos seus interesses particulares, pessoais : o prefeito governador, presidente, vereadores, secretários, deputados, senadores, que dividem o poder entre si e os seus ; contudo, juridicamente, na farsa hipócrita de um Direito que apenas delimita poderes que são
exclusivos dos três poderes da república e não do povo, para o qual o Direito é tão-somente um ente fictício, uma ficção para não ser aplicadas de fato por juízes, desembargadores, ministros, enfim, pelos detentores absolutos desse poder de dar sua inteligência e fazer as
leis agirem contra os que não estão sob a protecção do castelo feudal das leis e da justiça, que protege alguns poucos e despreza os demais.O grande número de brasileiros anónimos que somente servem para votar e legitimar o poder doméstico, o Direito doméstico e o estado
doméstico ou estado brasileiro.
As leis dependem da interpretação exclusiva da pessoa do juiz ou desembargador e não do poder judiciário, pois não há, de fato, nem tampouco de direito, tal poder, nos moldes da tripartição dos poderes colocadas por Montesquieu em seu "O Espírito das Leis". No Brasil as leis não têm espírito e os três poderes são três poderes de empresas jurídicas, que constituem o estado doméstico. Cada um negocia seu peixe ou sua cota-parte da sociedade na lei : o poder executivo
negocia a legalização de suas atividades, o legislativo faz leis que legitimem os atos do executivo. O judiciário, na pessoa dos juízes, desembargadores e ministros, interpretam as leis de forma pessoal e conforme o interesse ou o negócio jurídico do momento.
Isso ocorre porque no Brasil não há elites, mas perpetuação do poder que jamais muda de mãos e continua sendo regido pelas famílias decadentes que sufocam qualquer manifestação de liderança. A única liderança que vingou fora da esteira histórica foi a do presidente Lula e do PT, que, com todos os seus defeitos óbvios, representam um marco na história do Brasil, uma mudança abrupta na liderança das famílias patriarcais e do regime de patronato que inunda o povo brasileiro, acostumado ao jeitinho doméstico de viver e ajeitar a justiça, a burocracia, sempre culminando na troca de favores do senhores ( políticos e componentes dos três poderes) para com os escravos ( o povo).
A Europa também enfrentou dificuldades para implantar o estado laico, no qual os cidadãos têm sua liberdade assegurada e poder de governar de fato; não apenas ficticiamente, como ocorre nos estados teocráticos e o estado brasileiro, que parece ser o único caso de estado doméstico.
Foram necessárias duas Grandes Guerras para que a Europa se tornasse um estado laico, ao menos na maioria de suas nações, depois de passar pela teocracia inquisitória do período medieval, quando a filosofia grega foi mascarada de teologia, para gáudio dos mandatários da época : os homens de negro da Igreja, frades e monges dominicanos e beneditinos e também os monges de hábito branco, os quais jogavam o antigo e intrigante xadrez da política, que sob a forma de religião é a pior espécie de política porque se acha toda poderosa graças a Deus,
que manda em tudo e é dono de tudo através dos homens que detêm o poder teocrático e, destarte, se camuflam de Deus, usando das instituições, assim como se utilizam das leis no Brasil para justificar e legitimar o estado doméstico, pois o Brasil é e continua a ser o estado de alguns, o que significa o Direito de alguns poucos em detrimento à maioria, ou seja, em última análise, à ausência do Direito e, concomitantemente,do Direito de todos, que é a"'matéria" e "energia" sociais que compõem o corpo do estado, vez que estado e direito se confundem, ou são confluentes, se não são a mesma coisa ou o mesmo ente. Não existe estado de Direito se o estado não é laico ; a laicidade é essencial para as relações fundadas no Direito, mormente nos Direitos
Humanos, que são os mais importantes, ou, dizendo em outras palavras, o que mais importa a cada um de nos enquanto indivíduos, pois somos nós, os indivíduos, os seres mais frágeis ante os poderes das instituições que, de uma hora para outra, devido ao golpe de algum arrivista no poder, podem ter sua vida em risco ou sua individualidade questionada e mesmo desprezada, como ocorreu na Segunda grande Guerra quando Hitler galgou o poder.
Onde o estado não é laico também não há observância de Direitos Humanos; os direitos são somente do estado ou de Deus, graças a Deus, às leis ou à divindade local, o tirano do lugar, ou a oligarquia, que promove a desgraça geral do povo enquanto ente individual ; enquanto
indivíduo, ser humano individual, individuado, livre para pensar, ser e existir efectivamente.
sábado, 28 de agosto de 2010
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