O pé de laranjeira que figura em em minha poética
na geometria da minha poesia
com a flor alva lavada pelo alvor avô da barra da alva
e o sorriso da barra da alva nos dentes
a cintilar orvalho no diâmetro da circunferência da gota de aljôfar
- a laranjeira com armadura medieval nos espinhos
com algum pó sutil de negrume na folhagem densa
exalando aquela fragrância delicada
que distingue o teor do perfume da flor de laranjeira
- esta laranjeira ideal
esta idéia de laranjeira
ou laranjeira em idéia platônica
captada em visões de laranjeiras nada platônicas
que a realidade põe em pé
com raízes a agarrar vigorosamente o solo
- a laranjeira plantada na minha poética
plana na origem de duas laranjeiras reais
as quais se confundem ou se fundem em uma única laranjeira
ou na idéia mesma da laranjeira poética
para uso romântico na língua romance
e para cindir o tempo e o espaço
da minha infância de um lado da casa
e da juventude no outro tempo
no espaço da casa contígua
onde morou um amigo
cuja alma foi perdida para a terra
ou para a laranja-da-terra
há pouco mais que sete dias
- finado há uns sete dias
( mas que são sete dias
para um comunista ateu
em seu ser e no de Marx?!
- um agnóstico que morreu corajosamente
recusando ser crédulo e pusilânime como um padre ou frade de Jesus
os quais vivem sob a mendicância e mendacidade
que caracteriza o homem do vulgo
ou o pseudo-monge preso a regras alheias
- alienadas na acepção dúplice de venda ou loucura
( são dementes e venais tais seres liquidados, falidos )
pois estes são a besta pior
com sete chifres ou sete cornos e a cornucópia
sete palmos sob terra
e missa no sétimo dia do niilismo sem-razão de ser
ou de conhecer em princípios
que evocam as raízes do conhecimento da filosofia
que vai de Aristóteles a Kant
em toda a extensão do fim da filosofia
com seu homônimo Marconi
nas ondas do rádio )
Uma das duas laranjeiras
foi a primeira laranjeira que conheci
e soube pelas emanações que formavam uma trilha
nos sentidos do menino
que se tratava de uma árvore de porte quase arbustivo
a qual existia no quintal de casa
quando era eu menino menino
pequenino menino
- menino de escalar o tronco torto e tortuoso do cajueiro
até o telhado de um barracão adendo à casa
Era um pé de laranja-da-terra
no dizer de minha mãe
fruto que tão-somente servia para fazer compota
pois a fruta era mui amarga
- mas pintava-se com um amarelo vivaz na casca!
e folhas de um verde escuro
- de um escuro perceptível mesmo com o o sol no zênite
tamanha extensão na treva tem a folha da laranjeira!
que possui ou ostenta
uma escuridão assombrosa no verde das folhas
nas folhas guardadoras de trevas
lastro de matéria negra
negra energia chiando no canto subliminar do universo
invadindo as regiões do cosmos com o espatifar de ondas escuras
- de uma escuridão de morte
escuras de morte!
ou presente na escuridão que precede a morte
e continua pela eternidade de olhos vendados
velados eternamente
- para sempre sem luz!
o outro véu que constitui o olhar
A outra laranjeira
que vi depois de longo tempo
que conhecera a minha laranjeira primeva
distava daquela alguns passos do Senhor dos Passos
indo da vida para a morte
com a cruz às costas
e a alma negra dentro do verde
ou mesclada à cor que alcatifa solo
para monge pisar ao longo do caminho
na travessia ou êxodo sem fim
- a outra laranjeira
Imagino que era da mesma espécie da primeira
Contudo foi naquela casa velha
com varanda com desvãos de madeira
onde morava um raro amigo com sua família
que percebi e respirei o olor da flor de laranjeira
enquanto a noite espargia trevas
na brisa fria que corria a esmo
e formulava o olfato da minha juventude
na equação química expressa no ar
em ondas de perfume
que formava uma laranjeira só de aroma
sem folha ou flores ou raiz ou tronco espinhoso
Entre essas laranjeiras
havia um clube
que tocava marchinhas de carnaval
madrugada fora ( ou dentro?)
no tempo da folia
Essas duas laranjeiras
acabaram sendo lidas como uma única laranjeira
na poesia que ousei temerariamente deixar por escrito
- lidas e escritas por mim
a pior antologia poética que reuni
porquanto a poesia que pode ser arrancada da beleza e do limbo
e escrita para ser lida
já é uma obra de violência em signos e símbolos
de violação alegórica
- é o que de pior se garimpou em versos truncados e fragmentados!
A melhor poesia
é infensa à leitura
e outrossim à literatura
por ser inatingível por meio da semiologia
e mesmo pela semiótica ritualizada pelo teatro
ou em enredo de drama no cinema e nas novelas
ou por via de qualquer sistema de língua e linguagem
ou ainda de representação humana
quer seja religiosa ou filosófica:
enfim, de qualquer outra forma humana
que não seja a manifestação da alma
- alma no sentido latim
e não no sentido cristão do mandrião
com asas e pás ao vento para mover moinhos de vento
e olvidar o tempo em um quadro de Van Gogh
então de olho pregado no tempo!
( O tempo que então estava nos moinhos de vento
soprava flauta ou trombone no nariz do pintor holandês
descendente da escola flamenga
que criou Brueguel, o velho
- pintor de Brabante )
Agora que o amigo
ficou com a alma presa à pedra
e o espírito fossilizado nos signos e símbolos de sua escrita
não há sequer uma folha de laranjeira entre nós
porque a minha laranjeira continua remando por flor e alva
mas a laranjeira do amigo morto
ficou no tempo
em que ele e a laranja-da-terra se miravam reciprocamente
- hoje essa laranjeira continua nua de espaço na terra do tempo
porquanto perdeu o espaço de terra
que ajuntava o anjo da laranjeira em sopro no ar para oboé
e não tem mais a alma do amigo falecido
para soprar o espírito de terra
e por a laranjeira em pé ante si
- frente a seu corpo
que se esboroou
no anjo em pó de laranjeira
que não mais entrou em espaço
na alma do amigo finado
sem corpo para vestir a si e a laranjeira
porque o tempo pode subsistir sem espaço
pode transcender a existência
sobrevivendo apenas com o ser
- tão-somente em essência
assim como o homem morto
vive ainda de memória
mesmo em terra de cajueiro
onde se plantou uma laranjeira
a planar no plano de Euclides, o geômetra
fora do espaço
no sentimento subjetivo que é o tempo
falando de um amigo como um homem morto
podendo decifrar o enigma de sua inteligência
no que ele deixou transcrito em signos e símbolos
se eu tivesse capacidade para penetrar seus escritos linguísticos
em simbólicos de seu pensamento
e do quanto ele sabia
que poderia ser mais ou menos do que sei eu
não obstante ser a história
- sempre narrada pelos sobreviventes de então
para os quais ainda há caminhos e passos
antes da queda no abismo escuro
Não há mais uma laranjeira
entre eu e o amigo morto
dividindo nossos espaços calcados no pó
que nos ergue em corpo pela energia
mas apenas no tempo
e de um lado só do tempo
até que meu tempo
se apague na alma
Não há mais no espaço interior
duas laranjeiras prenhe de laranjas-da-terra
porquanto uma ficou sem espaço e tempo
num interior subjetivo
de quem não mais existe
- Restou apenas a laranjeira que vejo no espaço exterior
geminado com o tempo
ou as duas laranjeiras minhas
uma no espaço e tempo exterior
e outra no espaço e tempo interior
do sujeito que não faz compota de laranja-da-terra
As duas laranjeiras
que no espaço objetivo eram independentes
fundiram-se-me em uma laranjeira una
unívoca na voz do odor
Já vira laranjais em renque
em aléia extensa
andando sobre raiz léguas sobre terras
carregados de pomos
como se fossem mulos
Todavia agora que o outro homem jaz morto
que estou sem uma parte do meu ego
alijado de alter ego ou espelho
sou um Narciso contemplando o suicídio na água
- sou um monge defronte a uma laranjeira
que recebe o reflexo da minha solidão
que se apagará também
com a luz noturna do mais amado dos vagalumes
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