Não tem mais memória de mim
no homem morto
e sempre seremos o homem morto
quando o tempo voar para além dos plátanos
de folhas lobadas
vermelhas no outono
- para a América do Setentrião
dos silvestres ventos de Bóreas, o Titã mitológico
Adeus ao homem morto
- se ele não fosse ateu!
Hoje o homem morto
é o amigo que repousa entre as pedras
agora ex-amigo no temo para o discurso
tempo verbal
Neste tempo agarrado ao sol
qual radícula
o amigo ficou pelo caminho pisado de terra
na forma de rochas escarpadas
pendido entre as penhas
ou olvidado pelas rochas estratificadas
- simplesmente ao rás do chão!
entre os seixos do riacho rumorejante
que celebra a vida com a dança das ninfas nas águas doces
( doce feito mel em favos são as águas que banham a vida
entram alma adentro pelos subterrâneos... )
ou com os ossos do ofício da caveira
sob lápide ou cova rasa
caso não tenha havido cremação
pira funerária
com as cinzas marcando as horas finadas
no macabro relógio da morte
- sino rezando o responso de Santo Antônio
junto à vida que expirou
no derradeiro suspiro do moribundo
óbice a qualquer esboço de correspondência
pois finou-se naquele que um dia teve o sol sob os olhos
no cintilar do diamante da vida
no afiar da alma
cortando luz e trevas
Ele se recolheu à pedra e à treva
que sepulta o pensamento por dentro
transformando o corpo humano
hermético na morte
em sarcófago próprio
ou no mausoléu : o Taj Mahal
elegia ou réquiem em pedra
- massas submissas à arquitetura e engenharia da época e lugar
conquanto insurretas no mole da construção
à mercê da lei da gravidade
Aquele filão de lembranças do mundo
apagou-se-lhe definitivamente
- instantaneamente deixou de fazer parte do mundo
enquanto universo social, psicológico, politico...
senão na codificação da fotografia
( estela escrita e desenhada com signos de luz
- luz em pó no papel do retrato
que será cinzas caso ocorra qualquer luminosidade
fogo-fátuo )
A melodia, o timbre e o ritmo de sua voz
ficou no vozerio do fonógrafo
com o olhar perdido no daguerrótipo
ou para o daguerrótipo
onde também se encontra Alan Poe
flagrado definhando
a alguns passos da morte
Seu olfato fugiu em desesperado galope
para o frasco de perfume
imune ao assalto do vento
porém pronto a passear pelas narinas
nas trilhas odoríferas
que culminam num cosmos à parte
dentro dos laços indissolúveis
que permeiam as relações as mais diversas
e até aparentemente dispersas
Fechado na rocha granítica
não posso ouví-lo mais
nem tampouco falar com ele
cantar com ele o doce aroma da laranja
exprimida pela flor de laranjeira
porquanto continuo vivo
hermético na alma do ovo
ou no ovo que cerca a alma de vida
que se traduz em alimentação e respiração
porém ele perdeu o espírito
para a coleção de seixos na cachoeira
- para o moinho de vento que soprava
dois anjos de Van Gogh no nariz
de outro amigo comum
que outrossim e em outro tempo em casulo
ficou envolto entre trevas
no silêncio do sudário e bulário
esparso no chão da morte
leito de pó
Cada vez mais solitário
vagando vago e vagamente no vagalume dentro da noite
meu caminho de monge sobre a terra
vai pouco e pouco perdendo
aqueles que de mim poderiam ter memória
mas até de si estão esquecidos
mergulhados no rio Lete
Narcisos com face nua
refletindo nos ossos a lua
- branco espelho na treva
para amarelo ou branco luar
conforme o ritmo lunar seja de novilúnio ou plenilúnio
ou um tipo de lua falciforme e negra
que desce na garganta da noite
- que é uma gárgula na noite tempestuosa
uma Quimera em vigília na Catedral de Notre-Dame de Paris
Adeus ao homem morto
- se ele não fosse ateu!
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