Assim ele se foi :
na asa delta do delírio do passarinho
derramado no delíquio do lírio
e da lírica eremita
a caminhar com as sandálias do andarilho
pelos descampados longos
de caminhos até após o horizonte
que se pinta azul
e se desenha idílico
numa geometria de idílio e delíquio
de pio que pia
Pia Maria
Maria Pia ou Maria da Piedade
- pio de piado ( piada piaba diaba )
porém não de pássaro apeado
apeada ave
( ave é livre para ser nave!
não pode fundar reino
no pé de pimenta-do-reino )
no delta da rêmige
afim de ninho
ao fim do ninho
leite e ninho
- do fim aos confins
na queima do serafim
em cinzas de amor sem fim
preso enfim naquele soneto de mandarim
- aquele chim do vaso chinês
do parnasiano poeta
Alberto de Oliveira
que redesenhou e repintou o pictural
num real ou imaginário vaso chinês
o qual poderia estar sob vinho
numa copa ou cilice grego
que guardava um sátiro
no tongo ( círculo no interior do tongo )
Ah! meu amigo!
- e sua mãe não estava
para cantar um berceuse
antes do seu sono de anjo
que nunca cresceu no sonho
- ainda é menino ali
como todos somos!
de olhos fechados
para o tempo
que rasga o espaço por fora
nas garras afiadas da gravidade
uma leoa, uma felina
Partiu para o outro lado do silêncio
do espelho de Alice
nas Maravilhas de um país sem Silenos
- sem o sábio e velho Sileno
que disse ao Rei Midas
que o melhor para o homem
seria nunca ter nascido
e a segunda coisa melhor para o homem
seria morrer o mais depressa possível
exprimindo destarte a tragédia que é a vida humana
essa guerra sem trégua
Oh! meu amigo!
antes que chegue todo o sono
pesando nos olhos
escute a berceuse de sua mãe
que Chopin toca
não tão bem
como ela cantava!
Ah! como ela cantava!
A Alice "Atchim!" ( que somos! independente do sexo
ou quaisquer outros detalhes
ou o que seja além e aquém do que colhe a palavra "detalhes"
detalhadamente ou sem detalhar
e que foi o homem morto
que agora deixou o ser e a existência )
- esta "Alice" ou Nova Alice
partiu o espelho
( partiu o coração do espelho! )
ao entrar por ele
como se fora um caminho
ou portal aberto
perfurou a lâmina d'água
quando e aonde se inclinou
para furar a bolha em turbilhão
o burburinho de bolhas
que é a água em quantidade na extensão do espaço afora
- parou para admirar sua imagem em água talhada
sua efígie aquática
de saracura de paul
garça no esbranquiçado do osso
abandonado do torso em penas
- penacho branco sobre corpo magro
magérrimo ser do tremedal
com plantas aquáticas a se mover na água
na graça do moinho de vento
que o vento faz em sua engenharia de foles
e pistões que gostam de tocar saxofone
com os faunos ocultos nas touças de capim alto
que circundam parte da lagoa
em cuja água queda
- queda o som do quero-quero
que balança ondas senoidais
em diagramas rabiscadas
ou em garatujas na lâmina d'água
que sobre e desce
como um entre de mulher
na dança do ventre
que representa o balé ante-orgástico
da bacante dentro da alma da mulher
( espírito grego
de povo e cultura erudita
pois não há mito
mas apenas extensão dramática do rito
sem palavra inúteis no drama
na música e na dança
cuja matéria e código é o silêncio
- mas não dos Silenos
dos sábios ébrios
que abandonam o mundo
e a si mesmo no mundo
porquanto o homem é um mundo dentro do mundo
e fora dele também )
O homem morto
entrou pelo espelho de Alice
admirando Narciso em flor silvestre
a um passo do lago embevecido com a tarde calma
que cai do céu em flocos de nuvens azuis
e da noite que chega serena e fria
no sorriso algo cínico do gato de Alice
em esgar de desenho lunar
a abrir imenso sorriso do tamanho de todo o luar
- sorriso esgarçado no gato de Alice
no céu lunar do país das maravilhas
distante alguns sonos e sonhos
a léguas da realidade prosaica
da vida pífia do homem comum
que não conhece poesia
nem sabe da filosofia
no sal do paul
que se apaúla deslumbrante!
- pinturesco em Carlos Drummond de Andrade
quando descreve e pinta a lagoa
( Minas em minas gerais
são as lagoas em Minas Gerais!
- pelos campos gerais
a banhar costas de saracuras e garças
e tantas outras orlas para aves do sertão )
Quedou-se frente ao espelho
ou à lâmina d'água com efígie de saracura-do-brejo
trincando suas especulações com a alma em pedra na física quântica
lançada ao espelho ou ao espectro
nas cores que a lira tange a grei
os rebanhos em existência e migração de gnus
também nos universos paralelos
que parafraseiam matéria e anti-matéria
desunidas a "quarks"
e supostamente unidas por "bosons"
se este liame é força forte
no amarrar tempo e espaço
formando um vaso ou ânfora
canto ou cântaro
ouvindo a cachoeira ribombar
no que cai a água
dentro do coração branco do anjo
errante em queda
que foi em água
quando deveria ser em terra
- no pó da terra desidratada
menina febril
com febre terçã ou quartã
( Os anjos são em xadrez
- anjos são marimbondos em xadrez
porque anjos não existem
apenas vestem marimbondos em xadrez
em preto e branco
no preto e branco em que pisa a noite e o dia
- preto e branco em si e separados também
sendo que algumas vespas são somente em negro
não tendo cor no espaço branco
excepto se se por que o sol é sempre branco
e a noite tece trevas cada vez mais negras e silentes
- trevas para Silenos beber até se embriagar completamente
que se a vida do homem em si já é ruinosa
imagine sem o lenitivo da bebida alcoólica!
-excepto, ainda, se o homem lograr reencontrar
várias vezes na vida
o fio que leva à Ariadne
ou que Ariadne deixou par ao guiar
no labirinto aonde o espera o Minotauro
pronto para o sacrifício humano
- sendo a vida inteira um sacrifício humano!
no cotidiano da escravidão social
também com outras onomásticas :
democracia, liberdade, fraternidade, igualdade...
e outras revoluções francesas que não aconteceram
senão na lápide escrita pela história da França
porquanto se a Bastilha caiu
foi por pouco tempo
e logo foi reerguida
e o mundo voltou a eterno "status quo"
do qual somente sai por pequenos interregnos no tempo maligno ou benigno )
Vejo-o em menino
- vejo-o o menino que vi com olhos
- o nervo óptico a enviar mensagens para o ´cerebro interpretar
na primeira vez que o vi
com olhos e nervos de um menino
que eu também era
naquela Era de Peixes!
fora e dentro do aquário
do tempo de Aquário ou para aquário
onde mal criar peixes comprados
Então ele era um menino de fina ironia
soltando a pipa no azul celeste
tangida a vento
rasgada ou remendada no azul roto
de um violinista que quero azul
- azul de um céu azul
Era um menino alegre e assaz zombeteiro
como sói àqueles nos quais sobeja a saúde
e á inteligência de escol
Oh! tempo bom para ouvir berceuse!
- tempo de menino
protegido no casulo
ouvindo o som amoroso da berceuse
na voz da mãe em coro com o vento
que cantava junto um punhado da toada
que vinha na brisa suave
que passava as mãos
nas cordas da palmeira mansa
como se fossem violinistas e violões
de longo acorde
para paradoxalmente fazer dormir o menino
profundo sono de paz
sob à sombra afetiva
dos bons sonhos de mãe
acalentando o filho
antes que venha a Medusa
com longas melenas de serpentes
Aquele ágil menino
corria atrás das borboletas
- perseguia sôfrego a vida
e a alma que é uma pena de ave na vida
pena leve e livre
com o espírito de poucos homens
soprados nas narinas
por anjos lúdicos
que gostam de soprar bolhas de sabão
junto ao menino
- ao menino de todos os tempos
em todos os espaços
As borboletas fincava-as criteriosamente
como o antigos naturalistas ingleses
mortas num quadro
colecionando-as
( Ele era o Fauno
que amava a Fauna
e sabia bem da Flora
e da filosofia natural
em campos e vales de paz
onde não se ouvia a guerra
nem na voz da pomba-rola
na onomatopéia do "fogo-apagou" )
Atravessara eras em caravelas
viera em caravelas
enquanto outros viera em vieiras
e outros moluscos
com conchas bivalves
cheias ou recheadas literalmente de vidas
enquanto carregasse a concha
"às costas" e nas costas do mares e oceanos
De cara e vela para o vento
vinha na ventoinha de uma caravela
- dando a cara a bater
( a face não esbofeteada)
ao vento em barlavento e sotavento
bombordo estibordo
e também as velas
infladas qual asas em cruzes cristãs
- cruzes espanholas ou portuguesas
no mar imenso
de onde emergia de chofre um leviatã imaginário
no placebo do real
- no real placebo
do mito que servia ao rito do medo
- não o medo do mar oceano em procela
mas do rei
um pequenino bobo na corte
que tomara o poder
e mantinha-o graças ao poder do medo
- que é um poder maior que o medo
Amava as meninas
juntamente com todas as ciências
e mormente a literatura
- mãe acolhedora das ciências
genial em Dostoievski
Em dia que escureceu abruptamente para noite
- quando o sol entrou em eclise lunar
e tudo apagou subitamente
- desfez-se da luz e do fogo a brasa do sol
que se tornou um carvão com fumaça irritante
sufocante fumaça
e uma treva ou duas ou milhões de trevas de tristeza
- melancolia espessa demais para a travessia...
rasgou o véu do céu
- e naquele dia em noturno soturno
fatídico dia-noite sem dianóia ou paranóia
conheceu sua primeira e quiçá maior e mais pungente dor
a cavaleiro dos pêsames
quando perdeu a mãe
para a primeira morte com garras de harpia
que chegou envolta nas trevas
que vinha embuçando a predadora emboscada
então próxima à orla do rio Lethes
com o barqueiro Caronte roubando o ser mais querido de sua vida
a primeira alma que ele conheceu no ventre
- que era sua mãe
intacta no carinho aconchegante do casulo
que o guardara em crisálida
antes que viesse o amor da mulher
e o amor do filho ou filha
que suplanta o tempo
e mesmo a mãe
- antes do amor da borboleta
que rompe o casulo
e sai para o vôo no mundo
- vôo pisado por flores e fragrâncias no ar
que venta as asas
moinhos criadores de vento
também para soprar os moinhos de vento
no tempo de ar rarefeito
( Tempo em que a noite nasce mais negra
é uma mamba negra encolhida
próxima ao leito
e o dia também perde diamante
e ganha carvão
com o fauno a se apagar
e deixar a brasa no caminho da fumaça
até que o lume do fogo
perca toda a lucidez
e não haja mais o calor e a luz de Lúcifer
a aquecer e iluminar a vida
que o anjo de luz mantém
junto com o anjo que sopra
a alma pelas narinas
- alma de fauno
que será retirada )
Ah! e então santo Antão
dos tempos de antanho
não houve mais berceuse
- não se ouve mais berceuse
desde aquele dia impregnado no carvão!
- preto sem branco
noite sem o tabuleiro do dia
- piso para trevas
e damas da noite
( damas-da-noite com muito perfume
a embriagar os sentidos
- mas sem sentido!
e sem berceuse no berço.. )
Foi uma noite de infinitos gritos
ou mil e uma noite de lamentações!
de uma dor sem fim
Clamores que ainda ouço
conquanto não os tenha ouvido
como meus ouvidos humanos à época
quando ele perdeu sua mãe
para as harpias
Então carpia
em noite sem dia
vela sem estrela...
Com o passamento da progenitora
seguiu mais solitário pelos descampados
carente do carinho da mãe
vagou pela terra sem ternura
em meio ambiente da hipocrisia
que é um governo nuclear na sociedade e cultura
( A base de tudo, Marx,
não é a economia política
mas a hipocrisia política
que não está entretanto
somente na política dos democratas
ou dos republicanos
mas na política quotidiana
de todos nós pescadores e pecadores
roedores e ruminantes
de vetustos ritos )
O tempo retorcido no verme
que remexe o universo
na dança da vida
na qual o verme é um dos melhores bailarinos
ou bufão-barítono
- ou tenor de Ópera italiana
era um tempo em balada
antes do homem
- antes do meu amigo
ser o homem morto
para sempre separado da luz
e das sombras noctívagas nos morcegos negros
( O verme é uma alma
que prescinde da missa em latim
pois é uma alma em latim
que anima a dança
no seu mover se retorcendo
ao modo da serpente )
O tempo o cindiu
partiu o homem morto
separou anatomicamente e com espada ou bisturi
seu corpo de homem
e seu corpo de Fauno
porquanto o ser humano é mais um Fauno
dentro da libido do homem
que um corpo humano
( Os biologistas e médicos de plantão nos hospitais
esquecem o corpo do Fauno
pois impingem-lhes desde tenra idade
no labor honesto dos estudos em vermelho de sangue
a ignorar sumariamente
a anatomia e a fisiologia do Fauno
quando homem
e da Flora na mulher florida
fornida formosa ninfa e Graça
( as três Graças
é pouco para representar uma única mulher!
- quando a amamos com o viço do Fauno
vegetal vegetativo e animal
humano e mitológico
poeta e sábio e santo
filósofo e outros tipos de eruditos
que engendram ou revisitam o conhecimento)
Através da operação que destrava o corpo da alma
colhendo o derradeiro alento do espírito
que se evola
na última exalação
do vento que pára
de insuflar as velas
daquele veleiro
que vai a pique
a alma do homem rui
depois que o amor deixou de soprar no oboé
que o anjo pensa tocar
mas quem toca é o amor de um homem
em transe de Fauno
e uma mulher em deleite de Flora
quando atravessa os campos de Afrodite
- penetra o reino de Vênus
empós tais e quais auroras
o homem deixa a pele do Fauno
- troca a pele do Fauno
pela tez do homem morto
pois só se morre
quando o amor morre
sai do sangue
exangue
Agora ele está em paz das pás de terra-sobre
coberto pela espessa treva do silêncio
sob teto ou piso de muitas camadas
- agora o homem morto está em paz com as pás
que movem moinhos de vento
e enterram ou desenterram tesouros arqueológicos
paleontológicos
vazados em geoglifos ou hieróglifos
versados em Champollion
- toda a sabedoria de ler
O homem é um paradoxo
- um paradoxo sorites
tanto o homem carregado na planta com alma
como se fosse a alma flores, folhas e frutos
ou o homem morto
dado às moscas
abandonado à dança dos vermes
pois enquanto homem vivo
o ser humano é procurado desde o faroeste
quer seja vivo ou morto
porquanto começamos a vida de onde não começamos : do nada
e retornamos por onde não podemos retornar : ao nada
No entanto, do nada
se criou um salvo conduto
ou uma senha para Jesus entrar
com toda a economia da salvação
com o Livro dos Mortos e dos Ressuscitados
e salvar o homem morto
- o que é uma crueldade sem limites
uma vez que disse o sábio Sileno
que para o homem o melhor é nunca ter nascido
ou morrer o mais rápido possível
embora ninguém o queira
nem o faça
excepto os pobres-diabos que se suicidam
pois a vida dolorosa
na via "crucis"
ainda é melhor que morte
excepto se viver já é inútil
e insuportável para o vivente
Não obstante não há quem sonhe com a eutanásia
nem um louco empedernido
nem um moribundo desesperado
nas vascas da agonia
ouvindo a coruja piar á meia-noite
- a meia-noite que passa matando com a peste
desde os tempos imemoriais
em que os judeus saíram do cativeiro no Egito
e matou todos os primogênitos dos egípcios
Não há quem queira morrer
pois todos amamos o fauno
que pulula dentro de si
quando abunda a saúde
portanto é bom ter Jesus por perto
melhor ainda tê-lo por certo
já que a ciência
com seu fauno centrado na tecnologia
até hoje não logrou sequer
descobrir um elixir
contra a decrepitude
- elixir da juventude eterna
sempre perseguido como um Santo Graal científico
uma antiga aspiração
e uma panacéia
que curasse todos os males
sem o médico ou o curandeiro
ou o charlatão mais celebrado por perto
para isso queríamos e queremos a ciência
e não para ser apenas tribuna para falastrões
porquanto a ciência hoje
se fosse um homem e não uma instituição
seria um charlatão
um parlapatão e um impostor
que nada cumpriu do seu contrato
com o lado onírico do homem
que não sei se é o esquerdo
ou à direita da têmpora
Lamentavelmente ainda morremos
e este não é nosso sonho
- nem sonho ingênuo
nem tampouco sonho científico
pois Cristo nos prometeu a ressurreição
e depois do cristianismo
que não ressuscitou ninguém
veio a ciência
e fez a mesma promessa
fundamentada nos milagres da tecnologia
- mas sei que é outra farsa
e não vai cumprir o sonho acalentado há tempo
- a cada berceuse de mãe!
Vá, meu amigo!
que sua mãe há de cantar
uma berceuse!...
- outra berceuse...
para tentar ludibriar a morte
que já houve
- e ouve atenta
mas não esculpe escuta
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