sábado, 12 de março de 2011

ALICE FORA DO PAÍS DAS MARAVILHAS ( MONJA NO EREMITÉRIO)

Alice era um lavadeira que não lavava no rio /
São Francisco descalço pelas pedras /
um rio cantante na terra onde o peixe pululava /
no principio quando Deus criou os peixes /
após por o espírito sobre as águas /
a pensar no pensar /
que é a metafísica antes de Aristóteles /
Alice era triste e só /
monja sem eremitério ou ermida /
nem teologia ou qualquer preparo intelectual /
de instrução mínima /
ao gosto dos frades menores sob a ternura de Francesco /
Alice era tão soturna que nem cantava /
mesmo onde a água canta batendo na pedra /
na cachoeira de cabelos escachoantes /
aos cachos de deusa grega na espuma /
nas "espumas flutuantes " escritas por Castro Alves /
excelso poeta destas terras e águas /
com palmeiras e verdejar /
e marimbondo a versejar /
- a poesia lírica do marimbondo /
épica em Camões e canhões nos ferrões /
que picam e ficam na ferida onde houve a picadura /
com dor para envergadura de condor nas alturas dos Andes /
aonde voou a poesia de Castro Alves /
elevada e andina e condoeira /

A cascata do rio São Francisco canta a noite inteira /
depois que o tempo diminui o ritmo /
no pingar do orvalho em madrigal na madrugada /
que em si é um madrigal musical /
mas Alice não cantava /
nem uma amarela canção de beco /
um pintainho amarelinho que Caimy punha fora /
na canção que compunha e gorjeava /
o poeta popular da Bahia de todos os santos /
travestidos nos orixás da África /

Alice lavava lá em casa /
( sem lá lá lá mas lá em casa ) /
próxima a uma cisterna aberta /
torcia e batia a roupa no tanque /
ante meus olhos de menino engolindo o mundo /
gulosos olhos curiosos /
pretos olhos grandes de anum assustadiço /
a voar pelos esgalhos que o dia punha nos arbustos /
floridos ou desfolhados galhos na decaída do outono /
decíduo tempo de folhas amarelentas /
a girar lentas no ar /
até cair no chão folhado /
ou folheado a amarelo carmelo /
com algumas flores pulando de pára-quedas das árvores /
e outras vindo pousar de helicóptero /
de uma árvores com flores brancas /
- flores helicoidais /
que giravam no ar qual helicóptero Apache /
brancas como noivas de vestido branco /
mais alva que a flor de laranjeira na barra da alva /
( flor de alba /
Alice era uma flor de alba /
conquanto sua pele fosse do amarelo /
tinta na cor amarela da janela /
ou da parede interna dela /
- da casa interior amarela /
que fica na aldeia da imaginação do pintor Marc Chagall /
- na vila do poeta onde chegou o circo-de-cavalinhos ) /

Era velha e morava numa casa de doida /
- casa onde a noite habitava em todas as trevas /
com todas as partes mais negras revestidas de trevas /
Numa casa de louca /
desaparecida no amarelo /
olvidada pelo amarelo /
que esquecera a cor das paredes internas e externas /
numa tonalidade cromática que amarelecia o olho /
numa febre amarela de olhar /
uma casa mancando e quase caindo /
cujas paredes e teto estavam a pique /
sobre a cabeça da pobre velha /
Com paredes escoradas com pau por colunas /
e em companhia solitária dos cães /
que velavam as velas que sopravam a vela da noite /
até o branco na vela da barra da alva /
branca vela nos olhos em paz de pombas /
depois de arregalados e revirados /
no bizarro orgasmo da morte /
última parceira sexual amorosa /
- ali Alice alimentava o fogo na vela /
ou no candeeiro antigo e amassado /
( a vida de Alice estava amassada na massa /
que a gravidade amassa na massa /
na massa do átomo e da molécula /
na massa de um planeta ou de uma grande estrela ou galáxia /
na massa falida /
e na massa popular /
massa de manobras do demagogo ) /

Alice não tinha pais nem país algum /
( nenhum Brasil queimava sua brasa no pau ali /
- passava bem sem pau-brasil ) /
nem tampouco homem ou filha /
não tinha história nem tampouco estória /
mas lenda negra /
rondava sua vida /
- macabra lenda de mulher solitária e em perpétua solitude /
que era uma eremita sem o ser /
sem querer ou saber de ermitoa /
sem cacoete para sóror /
- era ermitoa ao modo próprio /
também pelas circunstâncias da vida /
e continuou sendo foi eremita sobre a terra /
uma erva só na terra longa em léguas e alqueires /
até perder os olhos de vista /
para a morte negra /
na morte escura /
que mascara a treva /
mascara os olhos /
tapa a luz dos olhos /
desfaz a luz num borrão /
ignora Lúcifer /
faz cair e jazer em terra /
- nos subterrâneos de Hades /
até que a alma ascenda ao descendente /
que aspira seu corpo em podridão no chão /
e respire aspirando-a para cima /
na primeira inspiração /
soada antes na sopro de Deus na trombeta /
e inflando assim os pulmões de Alice /
em nova parte feita de seu corpo /
com outros corpos /
que pisaram sobre ervas daninhas /
no solo argiloso e nada ardiloso /
raiz para pés /

Alice sempre esteve alienada /
- exilada do país das maravilhas /
aonde não palmilhara peregrina /
andarilha andorinha /
( Talvez quem sabe /
tivesse uma filha /
que poderia ser encontrada /
no País das Maravilhas /
que dista um sonho daqui e dali /
- Dali ou de lá ou acolá ) /
Ficheiro:Juan CARREÑO DE MIRANDA - Queen Mariana de Austria as a Widow.JPG

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